Insatisfação de policiais militares com salários - os
mais altos do país - gerou onda de crimes e motivou reação tardia de Agnelo
Queiroz
FONTE - VEJA ONLINE
Um dos sinais mais graves de que há algo errado
na gestão pública é a falta de confiança da população em quem deveria
defendê-la. Os moradores do Distrito Federal passaram por isso nas últimas
semanas. Em meio a uma operação-tartaruga da Polícia Militar (PM) mais bem paga
do país, uma onda de criminalidade varreu a capital do país e abalou a imagem da
corporação.
As estatísticas mostram que, em março, foram
registradas 88 mortes na capital federal. O primeiro fim-de-semana de abril
registrou 13 homicídios, um recorde para o ano e um número bem acima da média
para o Distrito Federal, que tem polícias bem aparelhadas e recebe um valioso
auxílio da União (só em 2012, serão 5,2 bilhões de reais adicionais para a
segurança pública, via Fundo Constitucional). Uma jovem de 16 anos foi estuprada
ao sair da escola, no meio do dia. As autoridades detectaram uma série de
sequestros-relâmpagos. Em meio à onda de violência, um crime em especial acendeu
o estopim da indignação popular.
O servidor público Saulo Jansen, de 31 anos,
estava em uma lanchonete na Asa Norte quando um rapaz furtou a bolsa e o
notebook de um casal. Um funcionário do local e outro consumidor perseguiram o
ladrão, que se voltou para trás e apertou o gatilho do revólver que carregava.
Saulo foi atingido e morreu minutos depois. Era a noite do dia 6 de abril.
O crime, que em circunstâncias normais já
chocaria a sociedade brasiliense, causou uma reação ainda mais áspera. Não era
para menos: o assassinato, na região central de Brasília, se deu em meio a uma
insubordinação de policiais militares da capital. Impedidos de fazer greve, eles
passaram a reduzir as rondas ostensivas e a retardar o atendimento a
ocorrências.
Redes sociais - O choque se transformou em
revolta quando começaram a surgir, em redes sociais, mensagens anônimas de
policiais que comemoravam o crescimento da onda de crimes. A imagem que surge
dali não tem qualquer semelhança com a dos policiais abnegados e solícitos, como
a sociedade se acostumou a vê-los. "Venho através dessa comunidade agradecer
pela ação do bandido, que trouxe à tona nosso movimento", relata um deles, ao
comentar a morte de Saulo.
A operação-tartaruga havia se inciado em
fevereiro, como forma de protesto por melhores salários. Em um grupo de e-mail
de policiais, um integrante da corporação aconselha os colegas: "Assumam o
serviço e, ao deslocar para a a ocorrência, sempre na metade da via! Está no
código de trânsito! Não conhecer o QTH (destino) ou se deslocar ao mesmo e não
encontrar também pode acontecer. Para chegar no QTH tem várias opções: a mais
distante não é crime. É só alegar desconhecimento! Um problema pneumático pode
acontecer com pelo menos duas ou três viaturas de cada unidade".
Mais recentemente, depois da elevação na
criminalidade, outra mensagem de e-mail revela o uso pragmático que alguns
policiais militares pretendem obter: "O auge do movimento-tartaruga está sendo
agora. O governo está desesperado, não sabe o que fazer para parar tanta
criminalidade. A desmotivação está à beira do caos, não tem volta".
Pleito - Os soldados da Polícia Militar local
recebem 4,5 mil reais de salário inicial, mais de quatro vezes do que paga a
corporação no Rio de Janeiro. Em meio à bolha salarial do serviço público em
Brasília, aquilo que deveria ser visto como um salário adequado passou a ser
tido como um vencimento injusto, a ponto de insuflar uma grave crise de
disciplina na tropa.
O governo do Distrito Federal foi tardio e
ineficiente ao lidar com o movimento. Finalmente, o governador Agnelo Queiroz
decidiu trocar o comandante da PM na semana passada. Saiu Sebastião Gouveia,
entrou Suamy Santana, que ganhou fama de linha-dura e é impopular entre as
tropas porque fez carreira no serviço burocrático.
Uma medida lançada ainda na gestão do
antecessor de Agnelo, José Roberto Arruda, está na origem da insatisfação: o
governo passou a exigir curso superior para os soldados que ingressam na
corporação, além de incentivar os atuais praças a obter um diploma. Com o
aumento da escolaridade, cresceu também a pressão por uma equiparação salarial
aos agentes da Polícia Civil, que recebem a partir de 8 000 reais.
Vice-presidente da Associação dos Praças da
Polícia Militar do Distrito Federal, Manuel Sansão Barbosa diz que a corporação
ficará satisfeita, a curto prazo, com um acréscimo no auxílio-moradia, hoje de
30 reais por mês. O governo indica que pode elevar o benefício a 1 500 reais no
mês que vem. Mas a categoria exige que, com o tempo, os salários sejam
equiparados aos da Polícia Civil.
Diante da reação negativa da população à onda
de violência, os policiais militres decidiram em assembleia, na última
quarta-feira, dar mais um mês de prazo ao governo. Embora negue a existência de
uma operação-tartaruga, Sansão disse que a rotina voltará ao normal: "Vamos
redobrar os esforços a partir de agora para livrar a população dessa
criminalidade".
Apesar da garantia do líder da associação,
alguns policiais militares prometem manter a indisciplina. Para a população, a
sensação de insegurança deve mesmo demorar a passar.
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